Eu, mãe Rita, me confesso

Antes de ter a Clara, mesmo durante os nove meses de gravidez, não compreendia as mães que se queixavam. No meu íntimo achava que eram umas tontas, umas tolas, umas ingustas. Achava que o simples facto de terem um filho era já suficiente para não terem qualquer tipo de lamento. Que se queixavam que ele isto ou aquilo então eram pessoas não aptas a ser mãe.
Vergonha, Rita, vergonha!
Descobri, às minhas custas, há quase sete meses, que isto da maternidade afinal não é romântico como tinha imaginado.
Ponto número 1: é um trabalho altamente rotineiro. Acorda, muda fralda, dá de mamar, dá o arzinho, brinca, adormeçe, brinca, muda fralda, prepara almoço, dá almoço, dá arzinho, brinca, adormeçe, muda fralda, brinca, dá de mamar, dá arzinho, brinca, adormeçe, dá banho, prepara jantar, dá jantar, dá arzinho, lê história, adormeçe. E no dia seguinte a coisa repete-se sempre, mais ou menos, às mesmas horas. Durante uma semana é giro, depois de um mês é só encher chouriços.
Ponto número 2: desde que se tem um filho tem-se muuuuuito mais coisas para fazer em casa. Se já era odioso limpar, arrumar, lavar e passar a ferro antes de se ter o dito cujo, imagine-se agora...
Ponto número 3: não é porque se tem um filho que o resto do Mundo desaparece. Felizmente continua-se a ter um marido, família, amigos e trabalho. Muitas vezes, porém, é complicado coordenar o filho com uma destas pessoas, quanto mais com várias e o trabalho. Ter de renunciar à vida social sem preocupações ou conseguir estar concentrada numa conversa de adultos mais de dez minutos seguidos é obra.
Ponto número 4: mesmo que não queiras esqueçer-te de ti, inevitavelmente passas para pelo menos segundo lugar nas prioridades da vida. Primeiro vem sempre o filho e quando os pêlos começam a crescer ou os cabelos a ficar oleosos a coisa é muito chata (chegas mesmo a vontade é de enfiar o puto num quarto escuro).
Ponto número 5: o choro do bebé, pelo menos para mim, não é muito fácil de interpretar. A coisa vai à base de tentativa-erro. À vezes é preciso mais do que uma tentativa, e com tanto erro à mistura os nervos ficam à flôr da pele e dá vontade de fazer fast foward até à idade adulta da criança. Até porque, pelo menos comigo, não funciona a teoria do deixa chorar que lhe faz bem. Aquele som entra-me nas entranhas e fico num estado de irritação tal que enquanto da criança não se cala eu não sossego.
Existem mais pontos, mas fundamentalmente são estes. É claro que se fosse mau ninguém tinha mais do que um filho.
A maternidade é um mar de amor. E como tal, tem horas de maré cheia e maré vaza. Dias de mar chão e dias de marés vivas. Meses de vê-lo andar para a frente e para trás de longe e nos deixarmos inundar de calma, outros em que nos atiramos lá para dentro e nos divertimos com o seu movimento, e outros ainda em que temos medo, queremos voltar à terra firme e ficar só em sossego.
É um compromisso para a vida. Queremos o melhor para eles e sabemos que só o bem do Mundo não lhes podemos prometer. Um dia terão que se defrontar com as contrariedades da vida. E ao primeiro espirro, queda ou distracção ficamos logo a pensar que a culpa é nossa e que provavelmente não somos boas mães.
Desde o dia em que nasce passa-se a viver neste limbo de felicidade e preocupação, amor e cansaço, muito cansaço. E portanto tenho que dar a minha mão à palmatória. Também eu me queixo. Também eu tenho saudades de dormir uma noite inteira num sono profundo. Também eu tenho saudades de sair sem horários para voltar. Também eu tenho saudades de comer e beber o que me apetece. E sei bem o quanto a minha vida não teria sentido se a Clara não estivesse aqui comigo. Porque mesmo com a depilação por fazer, as olheiras por esconder e a gula por enganar, não há nada neste Mundo melhor que o sorriso da minha filha. E acompanhar as descobertas que faz todos os dias.

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